Prefeito de Manaus reforça estigma social ao associar conjunto habitacional ” VIVER MELHOR 1 E 2 ” a tráfico de drogas

Prefeito David Almeida em frente ao conjunto habitacional Viver Melhor (Composição de Weslley Santos/CENARIUM)

Carol Veras – Da Cenarium

MANAUS (AM) – O prefeito de Manaus, David Almeida (Avante), reforçou um estigma social ao associar o conjunto habitacional ‘Viver Melhor’, no bairro Santa Etelvina, na Zona Norte da capital amazonense, ao crime de tráfico de drogas, apontaram especialistas ouvidos pela CENARIUM. O complexo de moradias possui 10,5 mil unidades e mais de 55 mil moradores.

Candidato à reeleição, o prefeito afirmou, nessa terça-feira, 20, que foi “impedido”, por um traficante conhecido como “Gordinho”, de gravar um vídeo eleitoral no local, e deu a entender que o conjunto é dominado por criminosos.

As declarações foram feitas à Rádio Tiradentes. “Eu vou atrás dele! ‘Gordinho do Viver Melhor’, te muda daí! […] Se a polícia não te pegar, a Guarda Municipal vai te pegar. Quem disse que ninguém vai fazer campanha política no Viver Melhor? […] Assim como no Viver Melhor, outras áreas da cidade, que são ocupadas por esses meliantes, vocês vão enfrentar a força do poder do governo”, disparou o mandatário.

Declaração sobre traficante de drogas aconteceu em entrevista à TV Tiradentes (Reprodução/TV Tirandentes)

Após as declarações de David Almeida, moradores negaram o impedimento do prefeito em áreas do Viver Melhor. Uma residente do conjunto habitacional chegou a dizer que o mandatário municipal teve uma “fala infeliz” (assista ao final da publicação).

Para o sociólogo e professor doutor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Luiz Antônio Nascimento, a associação de áreas periféricas ao crime organizado pode ser considerada como preconceito socioespacial.

“Um espaço como o Viver Melhor, ou outros condomínios habitacionais de populações trabalhadoras, são tratados como um lugar do tráfico, do crime. Historicamente, a classe trabalhadora sempre foi tratada como perigosa. A classe operária, quando se organiza para reivindicar seus direitos, no meado do século XIX, elas já são tratadas por punição como classes perigosas”, relatou à reportagem.

Conjunto viver melhor (Reprodução/DPE-AM)

O professor da Ufam comenta, ainda, que a comercialização de entorpecentes não é exclusiva de bairros considerados vulneráveis socialmente. “Condomínios fechados de luxo na cidade abrigam cerca de cem criminosos, muitos dos quais são corruptos. Esses indivíduos, frequentemente envolvidos em escândalos, acabam sendo presos, denunciados e processados após investigações e operações”, denuncia o professor.

No artigo “Preconceito socioespacial e insegurança urbana em Araguaína-TO”, o geógrafo Reges Sodré explica que “uma das principais manifestações desse preconceito é a atribuição dos bairros pobres e periféricos à condição de locais inerentemente violentos, criminosos e promíscuos. Além disso, outra faceta desse mesmo preconceito se revela na estigmatização enfrentada pelos habitantes desses bairros quando, mesmo que temporariamente, ocupam espaços exclusivos da classe média e da elite“, define.

Industrialização de cidades

Na perspectiva socieconômica, o economista Inaldo Seixas expõe que o preconceito socioambiental tem uma raiz econômica, decorrente de um processo de industrialização que promove uma migração intensa do campo para as cidades, que não possuem capacidade de absorver e planejar eficientemente a expansão urbana.

“Esse preconceito é fundamentado em questões de violência e criminalidade, bem como na baixa formação educacional e na escassa oferta de serviços de saúde, culturais e outros serviços essenciais”, ressalta o especialista.

Como solução para a problemática, Seixas sugere que “é crucial criar oportunidades que possam reduzir ou eliminar o preconceito socioespacial e permitir a ascensão social das pessoas em condições desfavorecidas. Com acesso à educação, saúde, cultura e oportunidades de emprego, essas pessoas podem melhorar a qualidade de vida e superar o estigma associado aos bairros”.

Repercussão

Moradores do conjunto habitacional repercutiram a fala do prefeito de Manaus em declaração à imprensa na noite dessa terça-feira, 20. Em um dos relatos, uma mulher afirma ter um filho que reside na localidade e é estudante universitário.

“O prefeito vem com um uma fala infeliz, dentro da nossa comunidade, desrespeitando pai de família trabalhador […] Aqui, você [prefeito] foi muito bem votado, e você tem o direito de ir e vir aqui dentro da nossa comunidade. Se alguém chegou com você, dê nome aos bois, porque tem pai de família aqui dentro”, desabafou a moradora.Residente do Viver Melhor desabafa após declaração de David Almeida (Reprodução)

Outra residente do conjunto habitacional falou, com indignação, da declaração do prefeito, e pediu para o mandatário municipal distinguir a política eleitoral da gestão municipal.

“A gente já tem má fama, de que mora no Viver Melhor. Aí, vem o nosso prefeito, o nosso representante falar mal do nosso Viver Melhor, da nossa comunidade? Nós estamos vivendo na opressão! Isso não existe! Ele tem que deixar claro que a população é uma coisa e o cenário político é outra”, ressalta a moradora.Moradora pede para prefeito separar política da população (Reprodução)

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