Brasil é um dos países mais vulneráveis aos extremos climáticos

Afirmação é do cienttista Paulo Artaxo, que nesta terça se encontrou com o presidente Lula para tratar sobre os efeitos das mudanças climáticas para o Brasil. Ele deu entrevista ao BNC

Wilson Nogueira, do BNC Amazonas

O professor de Astrofísica Atmosférica da Universidade de São Paulo (USP) Paulo Artaxo

O professor de Astrofísica Atmosférica da Universidade de São Paulo (USP) Paulo Artaxo, autoridade mundial em clima, disse hoje (17/9) em entrevista ao BNC Amazonas que o Brasil, por sua localização tropical, é um dos países mais vulneráveis às mudanças climáticas.

Pela manhã, em reunião no Palácio do Planalto, Artaxo fez uma exposição dos impactos das mudanças climáticas no Brasil para o presidente Lula.

Além de Lula, ele falou para os presidentes da Câmara dos Deputados, Artur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG, para o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, e demais servidores com funções que lidam com o tema.

Quadro irreversível

Para Artaxo, não há possibilidade de reversão das mudanças climáticas. Isso porque, segundo ele, a meia-vida dos gases de efeito na atmosfera, como o dióxido de carbono, é da ordem de centenas de milhares de anos.

“A mudança climática é permanente” […] Portanto, a melhor prevenção é, efetivamente, não emitir nenhum gás de efeito estufa”, assinalou.Paulo Artaxo

Desmatamento zero na Amazônia

O cientista sugere que a Amazônia precisa zerar o desmatamento legal e ilegal. Com isso, o objetivo é não degradar ainda mais a região e comprometer o seu sistema hídrico. Esse quadro já se observa nos rios Madeira e Solimões.

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Confira a entrevista que Paulo Artaxo deu ao jornalista Wilson Nogueira, via WhatsApp:

Incêndios, chuvas e calor extremos, estiagem e fumaça; nascimento de flor na antártica; sol vermelho-amarelado, etc. Como explicar para os habitantes deste planeta esses fenômenos ocorrendo ao mesmo tempo?

Os anos de 2023 e 2024 vão ficar marcados como o início de quando a percepção das mudanças climáticas globais está muito forte, muito clara para os políticos e para a população em geral.

Então, o aumento dos eventos climáticos extremos, como enchentes no Rio Grande do Sul, as secas de 2023 de 2024 na Amazônia, grandes enchentes na Europa Ocidental, incêndios em Portugal, Canadá e Brasil – e assim por diante – caracterizam um quadro de que o clima mudou de uma maneira muito forte e está causando impactos socioambientais no planeta como um todo.

Dessa forma, todos esses fenômenos estão associados com o aumento dos eventos extremos como decorrência, basicamente, da mudança climática global.

O senhor ainda acredita em uma provável reversão para a crise climática?

Não há possibilidade do que se chama reversão para a crise climática. O que nós temos é que a meia-vida dos gases de efeito estufa na atmosfera, como dióxido de carbono, é muito grande, da ordem de centenas a milhares de anos.

Uma vez emitido para a atmosfera, ainda não se conseguem processos físico-químicos que possam remover esses gases. Nesse caso, a mudança climática é permanente. Ela, com certeza, só vai agravar com o aumento das emissões de gases de efeito estufa. Portanto, a melhor prevenção é, efetivamente, não emitir nenhum gás de efeito estufa.

Quais os pontos mais vulneráveis do Brasil diante dos efeitos da crise climática?

O Brasil tem vulnerabilidades enormes. Temos uma economia baseada no agronegócio; e ela não vai ser, com certeza, tão produtiva já nas próximas décadas. Já estamos observando um decréscimo na produtividade agrícola causada pela alteração da temperatura no Brasil Central, um aumento pronunciado da temperatura, uma redução da taxa de precipitação de chuvas, bem como o aumento de eventos climáticos extremos que devastaram, por exemplo, agricultura do estado do Rio Grande do Sul.

Então, o Brasil é um dos países, por sua localização tropical, mais vulneráveis às mudanças climáticas.

Qual o lugar da Amazônia no processo de agudização ou reversão dos efeitos da crise climática?

A Amazônia é, particularmente, uma questão central nas mudanças climáticas globais por uma série de razões: primeiro, é um dos maiores reservatórios de carbono em ecossistemas terrestres; a Amazônia é o lugar de mais ou menos 120 bilhões de toneladas de carbono, que correspondem a 10 anos de toda emissão de gases de efeito estufa.

A Amazônia tem o potencial de agravar os cenários de futuros do clima de uma maneira muito significativa. Nós temos que evitar ao máximo processos associados com a destruição da floresta amazônica e, com isso, tentar minimizar os impactos climáticos do futuro.

Por outro lado, a região também tem vastas áreas que podem ser usadas como recuperação ecológica, reestabelecendo a biodiversidade e o carbono que haviam sido perdidos durante o período de desmatamento.

Assim, a Amazônia pode ser também parte da solução para a questão climática global.

O governo brasileiro cumpre o seu papel nas políticas de redução da emissão de gases de efeito estufa?

Infelizmente, o Brasil e os demais países, praticamente, estão aumentando as suas emissões, apesar do acordo de Paris e da ciência alertar há mais de 50 anos que temos que reduzir as emissões de gases de efeito estufa, para evitar uma catástrofe climática sem precedentes nos últimos 100.000 anos do nosso planeta.

Por isso, a gente tem no governo brasileiro um papel importante. Primeiro, na preservação da Amazônia. Segundo, num papel de liderança ambiental. Terceiro, o mais importante: é que o Brasil tem recursos para se tornar a uma potência de energia renovável, o que poucos países têm.

Temos um potencial de geração eólica e solar, o que poucos países do planeta possuem. Temos que aproveitar este potencial de geração de energia limpa e barata. Com isso, o Brasil pode se tornar um país líder em energias renováveis e verdes. Elas vão contribuir para o desenvolvimento de uma economia de baixo carbono. Esse é o desejo de todos os brasileiros.

Qual é o seu sentimento quando o senhor vê o leito do Solimões exposto em bancos de areia?

A seca de 2023 e 2004 na Amazônia é um evento que deixa muito claro os riscos que o ecossistema amazônico está tendo com as mudanças climáticas globais. Vê-se o rio Madeira com menos de um metro de coluna de água. Vê-se o rio Solimões basicamente cheio de bancos de areia, com níveis de água muito abaixo da média.

É, realmente, um sinal de alerta para podermos mudar o processo de ocupação da Amazônia, levando-a ao desmatamento zero, legal e ilegal também.

São estratégias essenciais se não quisermos ver a região degradada e com o seu sistema hídrico comprometido, e por aí afora.

Essa é uma emergência que a Amazônia e o planeta estão passando e vai exigir fortes ações da sociedade, das empresas e dos governos, em particular.

Foto: Reprodução/TV Cultura/Provoca

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