Aliados de republicano exibem confiança exacerbada e preparam terreno para a rejeição generalizada diante de uma vitória da democrata.
Por Sandra Cohen
Especializada em temas internacionais, foi repórter, correspondente e editora de Mundo em ‘O Globo’
Kamala Harris e Donald Trump — Foto: Reuters
“Lixo” é a palavra adequada para definir a corrida eleitoral americana mais competitiva e radicalizada das duas últimas décadas, que supostamente termina nesta terça-feira (5). A vice-presidente democrata Kamala Harris e o ex-presidente republicano Donald Trump chegam ao Dia D do voto empatados nos estados decisivos, sem que nenhum dos mais respeitados pesquisadores se arrisque a apontar um claro vencedor.
O exército de aliados fanáticos de Trump, ao contrário, exibe a confiança exacerbada do triunfo, preparando o terreno para uma rejeição generalizada e incrédula de seus partidários diante de uma vitória de Kamala.
O ex-presidente embarcou no modo trapaça e, sem apresentar evidências, aponta o dedo para os democratas na manipulação de votos e máquinas eleitorais. Nos últimos comícios, ele se dedicou a minar a confiança pública na eleição. Paralelamente, seus estrategistas preparam uma avalanche de processos para contestar, nos tribunais, possíveis derrotas nos estados cruciais.
Num repeteco de 2020, a campanha republicana vem intensificando a disseminação de vídeos virais e denúncias de supostas irregularidades nos ritos mais corriqueiros do processo eleitoral, concentrando-se na Pensilvânia, o epicentro desta disputa.
Por estas razões, a tensa apuração desta noite se dará sob uma inundação de desinformação e suspeitas infundadas de fraudes. Trump se disse pronto para declarar vitória no máximo até as 23h, enquanto os prognósticos apontam para a demora na contagem dos votos e na divulgação do resultado. Quanto mais incerto o panorama, maiores serão as especulações de fraude alimentadas pelos simpatizantes do candidato republicano.
O manual do universo MAGA (sigla em inglês de “Faça a América Grande Novamente”) reproduz a linguagem de mentiras e ofensas declamadas em tom vulgar pelo ex-presidente e amplificadas pela mídia ultra-radical que o cerca.
Na reta final, Trump ficou mais raivoso e concentrou-se na própria base. Sugeriu que a ex-deputada republicana Liz Cheney, que apoia Kamala, deveria ter armas apontadas para o seu rosto, e fez alusões semelhantes à imprensa. “Eu não me importo se alguém atirar em jornalistas”, considerou.
Vingança e retaliação
A retórica violenta e degradante desta eleição não pareceu abalar os eleitores do ex-presidente, mas provocou repulsa em republicanos moderados. Integrantes de seu governo, como John Kelly, ex-chefe de Gabinete, e Mark Miley, ex-Chefe do Estado Maior do Exército, o retrataram como fascista.
Para Trump, a vitória nesta eleição se resume a vingança e retaliação. Se eleito, ele irá atrás de seus detratores. Demitirá o procurador especial Jack Smith, que o acusou de reter documentos confidenciais do governo e de empenhar-se para anular a eleição de 2020, abrindo o caminho para encerrar dois de seus processos criminais. E foi claro na intenção de recorrer às Forças Armadas para perseguir seus oponentes, que chama de inimigos internos.
Por essas e outras, o ex-presidente imprimiu o tom conturbado e explosivo da disputa. Essa eleição, sem dúvida, é sobre Trump; ele extrapolou limites e incorporou a vulgaridade.
Donald Trump em comício na Carolina do Norte — Foto: REUTERS/Brian Snyder
Continuidade e conciliação
Catapultada acidentalmente para a liderança da campanha democrata quatro meses antes do pleito, a vice-presidente de Biden precisou se apresentar a uma parcela do eleitorado e se jogou freneticamente na cruzada pelo voto. Kamala Harris é a candidata da continuidade, da conciliação e da normalidade. Oferece poucas surpresas, mas isso diz muito sobre o futuro dos EUA e do mundo.
Seus discursos são didáticos e repetitivos — a favor da união e contra o caos e a violência política. Kamala injetou ânimo e energia a uma campanha democrata que se revelou desajustada sob a liderança de Biden.
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