IA nas eleições: Limites rígidos para garantir transparência e integridade

O TSE aprovou 12 normas voltadas para as eleições municipais, incluindo resoluções específicas para combater a desinformação e o uso inadequado da Inteligência Artificial

Uso das tecnologias tem aumentado nas eleições (Arte/Markus Santos/Rios de Notícias)

Rios de Notícias

MANAUS (AM) – Em meio à crescente preocupação com a desinformação, a ministra Cármen Lúcia, recém-empossada presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), anunciou uma série de medidas rigorosas para enfrentar as fake news nas eleições municipais de 2024.

“Não permitiremos que a tecnologia seja usada para desservir à democracia”, declarou a ministra em seu discurso de posse, realizada no dia 3 de junho.

Já no início deste ano, o TSE ja havia aprovado 12 normas voltadas para as eleições municipais, incluindo resoluções específicas para combater a desinformação e o uso inadequado da Inteligência Artificial (IA).

Na ocasião, Cármen Lúcia ressaltou aos desembargadores de Tribunais Regionais Eleitorais presentes a importância de qualificar os juízes eleitorais para lidar com o uso sofisticado de IA, destacando que a regulamentação das atividades das empresas de tecnologia é importante.

“Precisamos garantir que a segurança do processo eleitoral seja mantida e que a desinformação não comprometa a vontade popular”, afirmou.

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Alexandre de Moraes deixa a presidência do TSE e quem assume é Cármen Lúcia (Divulgação/TSE)

Entre as principais novidades está a permissão do uso de conteúdo criado por Inteligência Artificial (IA), desde que devidamente rotulado para informar os eleitores. A resolução proíbe o uso de deep fakes e outras manipulações grosseiras de imagens e áudios, como as que marcaram as eleições argentinas em 2023.

Também estão vetadas simulações de interlocução por meio de autobots (modo transformers), que fingem ser determinados candidatos em ligações telefônicas. As grandes empresas de tecnologia, ou big techs, foram enquadradas pela resolução.

Como o Congresso não avançou na regulamentação, o TSE tomou a iniciativa e impôs obrigações às plataformas digitais. Elas devem adotar medidas para impedir a circulação de informações inverídicas ou descontextualizadas. A falta de ação pode resultar em responsabilização civil e administrativa.

Em abril de 2024, Elon Musk, dono do X (antigo Twitter), atacou o judiciário brasileiro após o TSE enquadrar a plataforma nas novas regras. Alexandre de Moraes, então presidente do TSE, respondeu incluindo Musk nos inquéritos sobre fake news e milícias digitais que tramitam no Supremo Tribunal Federal.

O TSE também proibiu candidatos e partidos de patrocinar conteúdo em sites de busca usando nomes ou siglas de adversários. Essa medida visa evitar o uso de palavras-chave para manipular a visibilidade nas campanhas. A decisão veio após a análise de abusos nas eleições de 2022, onde o Google forneceu informações que revelaram práticas inadequadas.

O Google, também em resposta às novas diretrizes, o anunciou a proibição de anúncios políticos em sua plataforma, citando a dificuldade em cumprir as normas do TSE. A empresa considerou a proposta ampla demais e optou por restringir totalmente os anúncios eleitorais para evitar responsabilidades legais.

Ação do Tribunal

Em coletiva de imprensa, realizada na quarta-feira, 12/6, os desembargadores João de Jesus Abdala Simões e Airton Luís Corrêa Gentil, presidente e vice do Tribunal Regional Eleitoral (TRE/AM), respectivamente, anunciaram a criação do Comitê de Combate à Desinformação (CCD).

O comitê, composto pelos juízes Marcelo Vieira, Roberto Taketomi e Gildo Carvalho, inclui um site para denúncias de fake news. O desembargador Simões enfatizou o papel do juiz Rafael Rodrigo Raposo, presidente do pleito em Manaus, como figura central na gestão das eleições municipais.

“Ele estará à frente, e nós, como tribunal, daremos suporte para garantir a segurança e a lisura do processo eleitoral”, afirmou.

O comitê funcionará 24 horas por dia, todos os dias da semana, com equipes presenciais e de monitoramento digital, prontos para verificar denúncias e tomar as providências necessárias.

“A desinformação só pode ser combatida com a notícia verdadeira, rápida e abrangente”, disse Simões, pedindo a colaboração da imprensa.

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Desembargador João de Jesus Abdala Simões, presidente do TRE/AM, durante coletiva (Facebook/Rios de Notícias)

O juiz Rafael Rodrigo Raposo destacou a longa história do combate à desinformação, mencionando leis antigas que já previam a necessidade de combater notícias falsas.

“O combate à desinformação é essencial para que possamos diplomar os eleitos de forma justa e baseada na vontade livre do eleitor”, ressaltou.

Marcelo Vieira, juiz eleitoral e coordenador do Comitê de Combate à Desinformação, destacou a importância do canal digital para denúncias e a necessidade do engajamento da sociedade civil e da imprensa.

“Nosso objetivo é que o eleitor vote com base em fatos verdadeiros, sem ser influenciado por mentiras”, explicou.

O procurador regional eleitoral Rafael da Silva Rocha relembrou os esforços pioneiros de combate à desinformação nas eleições de 2018 e afirmou que o Ministério Público continuará a atuar de forma ágil e rigorosa para remover conteúdos falsos rapidamente.

“Trabalharemos juntos para garantir um processo eleitoral limpo e livre de notícias falsas”, prometeu Rocha.

O TSE também estabeleceu parcerias com a Polícia Federal para investigar crimes relacionados à contratação de disseminadores de fake news. “Quem financia a disseminação de informações falsas comete crime e pode ser preso”, alertou Rocha, destacando a seriedade das investigações criminais sobre desinformação.

Limites e transparências

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Douglas Aguiar, advogado especialista em Direito Eleitoral (Arquivo pessoal)

O advogado Douglas Aguiar, especialista em Direito Eleitoral, destacou que o uso de IA nas campanhas de 2024 está limitado à propaganda partidária positiva.

“A utilização da Inteligência Artificial dentro do pleito de 2024 é limitada ao exercício da propaganda partidária ou propaganda eleitoral positiva. Ou seja, não se pode utilizar a IA para ataques e para promover a desinformação dentro do processo eleitoral”, explicou Aguiar.

Entre as novas diretrizes, o TSE estabeleceu que qualquer propaganda eleitoral que utilize IA deve ser claramente identificada.

“Tudo o que for de Inteligência Artificial tem que ficar claro para o eleitorado. Tem que ter uma ‘tag’ (identificação) ou uma legenda informando que aquele material foi produzido com IA, justamente para não confundir o eleitor”, detalhou o especialista.

Segundo o advogado, uma das maiores preocupações do TSE é a capacidade da IA de criar fake news altamente sofisticadas, capaz de confundir até os mais espertos.

“Com a tecnologia de IA, é possível emular a voz e a imagem de uma pessoa, tornando difícil distinguir o que é real do que é falso”, alertou. “Essa possibilidade de perfeição na falsificação representa uma ameaça significativa à integridade do processo eleitoral, algo que o tribunal está determinado a combater”, disse.

Aguiar frisa que o uso de IA na criação de conteúdos de campanha que não envolvam desinformação ou ataques a adversários políticos é permitido, desde que respeite as regras de transparência e não promova propaganda negativa.

“Deve ficar claro para o eleitor que o material foi produzido utilizando IA. Assim seu uso é permitido. Essa clareza é fundamental para manter a confiança do eleitor no processo eleitoral”, concluiu Aguiar.

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